Os futuros possíveis e as cartografias afetivas foram temas da mesa da Fligê que trouxe Anelis Assumpção para contar sobre o museu dedicado à seu pai
Na tarde de sábado (13), foi realizada no Centro Cultural a mesa “Virtualidades da memória: Cartografias afetivas de experiências de tecnofuturos possíveis”, com mediação da antropóloga e professora Jamile Borges, a conversa tratou da patrimonialização das lutas e resistências. A ideia de construir cartografias afetivas a partir da ressignificação dos mapas, mas também das políticas culturais e memórias.
A noção de patrimônio histórico-cultural ainda está muito interligada a uma perspectiva euro centrada. Para Jamile Borges, não há nada que articule mais a relação entre memória, passado e futuro do que a própria discussão sobre afrofuturismos, que são os termos usados para definir a convergência da visão afrocêntrica, inserindo a negritude em um contexto de tecnologia, memórias, ancestralidades e projeções futuras.
O projeto afrofuturista tem como intuito ultrapassar as crenças e discursos do colonizador sobre a história dos povos negros, por vezes, alocada em livros e museus como conquistas dos povos brancos. Muitas nações de origens africanas reivindicam seus artefatos e riquezas que lhe foram retiradas no período da colonização e de escravização dos negros.
Portanto, os futuros possíveis ou os tecnofuturos para os afrodiaspóricos se dão a partir das mediações tecnológicas. O Museu Itamar Assumpção (Mu.Ita) se categoriza nesse lugar. Com mais de 9 mil itens do cantor e compositor paulista, o museu é totalmente virtual. O objetivo de sua criação é conversar as memórias do artista e ser um espaço de acervo para pesquisas em torno de sua vasta obra.
Para Anelis Assumpção, curadora do Mu.Ita e filha de Itamar, o museu surgiu de uma vontade de trazer para as pessoas a possibilidade de conhecer mais a obra do seu pai. É um espaço virtual com projeto gráfico e traduzido para o iorubá. O Mu.Ita se torna um local de ressignificação das memórias e dos discursos em torno de Itamar e sua obra.
A virtualidade tem um papel central na patromonialização das lutas, resistências e memórias dos povos negros. O Museu Itamar Assumpção é um bom exemplo disso. Um espaço que rememora um artista negro que durante sua carreira foi colocado pelo mercado musical e crítica cultural como maldito, incompreensível, não palatável e irrevogável. Itamar, como costumava dizer só queria ser livre, em sua memória mais afetiva e distante pairava os resquícios da escravização dos seus avós e, em sua realidade cotidiana, o racismo estrutural latente. A liberdade para ele era pouco, o que ele desejava ainda nem tinha nome, como dizia Clarice Lispector.
Itamar foi um artista periférico, morador da zona leste de São Paulo, no bairro da Pena, produziu seus discos, vendia-os, negociava seus shows e fazia sua assessoria de imprensa. Um sucesso que o mercado não poderia compreender, um independente e desperto. O Mu.Ita em toda sua virtualidade se torna um exemplo de espaço de resistência política e cultural, onde a partir das memórias evoca futuros possíveis para cartografar obras e artistas não hegemônicos.
Texto Larissa Caldeira. Fotos Vinícius Brito.