Memórias e trilhas das Letras Diamantinas
Qual o extrato da literatura da Chapada Diamantina? Em quais matérias estão encravadas a sua produção?
O acervo literário da Chapada Diamantina compõe-se de obras regionalistas, como “Diamante Verde” de Almachio Diniz e “Maria Dusá” de Lindolfo Rocha (que virou telenovela), passando por “Bugrinha” e “Sinhazinha” de Afrânio Peixoto, “Cascalho” e “Além dos Marimbus” de Herberto Sales.
Também encontram-se referências a obras do ciclo dos coronéis, como “O Chefe Horácio de Matos” e “Requisado” de Américo Chagas; e “Jagunços e Heróis” de Walfrido Moraes. A produção da primeira metade do século XX encorpou a literatura regionalista e serviu de matriz para assentar a região na produção literária brasileira.
Ângela Vilma, escritora baiana de prosa e poesia, dedica-se a estudar Herberto Sales e seu livro “A Tessitura Humana da Palavra: Herberto Sales Contista” contribui para assentar essa produção. De sua autoria, também se destacam “Poema para Antônio”, “Poemas Escritos na Pedra” e “Beira-vida”. Mantém uma produção profícua e grandiosa como escritora feminina.
Integra também a presença feminina na literatura o livro “Mucugê por Mucugê” de Rebeca Serra, publicado como Selo Literário Fligê em 2022 e adaptado como peça teatral “Histórias Extraordinárias de Diamantes” por Sérgio Farias, pelo Selo Cultural Alba, e distribuído ao público da Fligê gratuitamente.
Helena Medrado, escritora nascida em Mucugê, já participou da Fligê em duas edições, em 2017 e 2022. Sua escrita é memorialista e resgata os cenários de sua formação na terra natal, onde residiu por 13 anos. Atualmente, ela reside em João Pessoa. Suas obras incluem “Mucugê e Sua História” (2000), “Medrado, Há 300 Anos no Brasil” (2003), que conta a história de sua família, “Nas Fendas da Chapada” (2012), uma homenagem aos irmãos, “Volverei Montanhas de Mim” (1992), “Tempo Partido” (1994), “Última Fuga” (1995) e “Raio de Sol” (1998).
Ronaldo de Salles Senna aborda de forma pioneira o Jarê, manifestação religiosa existente somente na Chapada Diamantina. Para o autor, esse culto originado na África, com influências Nagô, se encontra em formas de religiosidade nos municípios de Lençóis e Andaraí/Chapada Diamantina/Bahia, com celebrações que incluem elementos do Candomblé, do catolicismo (como a festa de Cosme e Damião), cultos afro-brasileiros e ritmos de instrumentos como chocalhos e tambores.
Com o fenômeno Itamar Vieira Junior, escritor baiano laureado com os prêmios Leya, Jabuti e Oceanos, presente na Fligê de 2019 com o lançamento inaugural de “Torto Arado” no território brasileiro, a literatura da Chapada Diamantina ganha destaque. “Torto Arado” registra cenários das águas e terras diamantinas e as manifestações culturais de seu povo, suas crenças e espiritualidades míticas, expondo-se como outra matriz literária da região.
Itamar Vieira Junior é o escritor homenageado da Fligê 2024, com o tema “Memórias e Trilhas das Letras Diamantinas/Chapada Diamantina”. Sua obra é um marco literário para a produção autoral da Chapada Diamantina, expandindo as narrativas centradas no direito à terra e à vida. Em 2022, Itamar retornou à Fligê para lançar “Salvar o Fogo”, o segundo livro da trilogia, que enreda personagens com o sagrado do Manto Tupinambá e é dedicado à Célia Tupinambá.
Nesse fluxo de encontro entre a obra de Itamar e as narrativas literárias da Fligê, em 2022, a expografia “E(m)Trançados Sonhos” reverberou a presença ancestral de Célia Tupinambá. Em 2023, os cenários de “Acesa Retomada” e “Salvar o Fogo” tomaram forma na instalação artística, refletindo os percursos de busca e encontros simbólicos da literatura com a história e trajetória singular de cada pessoa, passageira dos tempos e mundos da humanidade.
Itamar Vieira Junior formou um público leitor na Fligê e retorna nesta sétima edição como escritor homenageado, para novos passeios pelos campos e trilhas da ficção diamantina. Seu olhar decolonial contrapõe e perspectiva o objeto literário que se insere na Chapada e, ao mesmo tempo, é atravessado por ela, extravasando para outros territórios de subjetividades.
No exercício da memória da primeira Fligê, no ano de 2016, podemos afirmar como Pablo Neruda em “Confesso que Vivi”: “Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro… Levaram tudo e deixaram-nos tudo… Deixaram-nos as palavras.”
A sétima edição da Fligê conta com o apoio do Governo Federal, por meio de emendas parlamentares, do Governo Estadual, por meio da Secult/Fundação Pedro Calmon, e parcerias de instituições e coletivos culturais regionais e locais, bem como o apoio logístico da Prefeitura Municipal de Mucugê.
A todo público que escolheu vivenciar a programação da Fligê 2024, nossos agradecimentos e desejo de uma estadia literária acolhedora, potente e reveladora de novos horizontes literários!
Curadoria Colaborativa Mucugê, Julho 2024