A capacidade de agregar é uma das propriedades do fogo. O elemento incorpora sabores na panela, forja o ferro e reúne pessoas em torno de uma fogueira. Na Fligê, o artista Purki se utilizou do fogo para forjar a expografia Acesa Retomada, entrelaçando os componentes Retomada, Repatriação, Terra e Feminino.
Para Vinicius Gil, mais conhecido como Purki, essas são as palavras-chave que derivam de obras literárias do escritor Itamar Vieira Junior, sobretudo “Salvar o Fogo”, e da luta de lideranças indígenas, encarnada na figura de Glicéria (Célia) Tupinambá, pela repatriação dos mantos tubinambás. No momento, 11 dessas relíquias indígenas estão em países da Europa. Nenhum está no Brasil.
Ao ingressar na expografia assinada por Purki, localizada no Território Literário da Fligê, somos recebidos por uma fogueira, que emana calor e impulsiona o público em movimentos concêntricos pelo jardim expográfico.
“Salve Luzia, Salve Célia”, evoca o artista aos encantados, entidades dos tupinambás. Luzia é personagem fictícia do livro “Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira Junior. Célia, por sua vez, é personagem factual na luta por preservação dos tesouros indígenas, representados pelo manto.
“São duas personagens que costuram uma mesma tessitura”, destacou Purki. Em Acesa Retomada, essas mulheres se uniram em combate ao colonialismo e às opressões que recaem sobre as mulheres, principalmente às mulheres indígenas e negra. Ao trazer à tona esses temas, o artista também reúne séculos de opressão, remontando ao século XVII, quando se estima que os mantos foram roubados, até os dias de hoje.
Dualidades do fogo
O fogo é utilizado como elemento metafórico para abordar questões de identidade, resistência e transformação, carregando significados profundos e plurais. Nas tradições culturais brasileiras, o elemento é também associado à contação de histórias e à transmissão de conhecimento. Em torno dele, gerações compartilham narrativas que moldam a identidade e a memória coletiva. “Preservar o fogo, para mim, é manter acesa a chama da nossa essência, de quem somos, tanto individual quanto coletivamente”, defende Purki.
Os mantos tupinambás, que sobrevoam simbolicamente a expografia, são artefatos raríssimos que compõem a herança indígena tangível. Eles carregam consigo séculos de história e representam uma parte do patrimônio do nosso país. O esforço para repatriar esses mantos e preservá-los reforça a importância de nos reconectarmos com as nossas raízes culturais e valorizar o legado indígena vivo.
Ao conectar esses dois elementos, Purki sublinha a ligação entre a preservação dos mantos tupinambás e o esforço de “salvar” as histórias e experiências do povo brasileiro, costurando uma só tapeçaria.
???????? A Fligê – Literatura e Música, realizada entre os dias 16 a 20 de agosto em Mucugê, na Chapada Diamantina, Bahia, é patrocinada pelo Governo do Estado da Bahia, por meio de emendas parlamentares vinculadas, com parcerias institucionais, de coletivos culturais da região e com apoio do poder público local.
Texto: Érika Camargo
Fotos: Gabriela Nascimento, Thiago Gama e Ailton Fernandes