Calu Manhães encanta a natureza e o público em apresentação na Fligê

Tema da ancestralidade da Chapada Diamantina marcou presença na participação da cantora na Feira 

Calu Manhães subiu ao palco da Fligê, na Praça dos Garimpeiros, com uma trança espessa cravejada de enfeites dourados. Ela trajava peças esvoaçantes de indumentária azul da cabeça aos pés, evocando elementos da água e do ar. Enquanto irradiava carisma, com um sorriso de orelha a orelha, uma chuva começou a cair sobre as ruas de Mucugê, como por encanto da artista. Calu trouxe o mar às chapadas do interior baiano em um espetáculo que, apesar dos céus nublados, ensolarou o público da feira.

Natural do Vale do Capão, a natureza e a topografia diamantina estão presentes em sua expressão artística e em sua vida. “A natureza, as montanhas, os rios, tudo isso me compõe muito, está presente nas minhas composições e na maneira como vejo o mundo e me relaciono com os outros”, disse Calu. Hoje, a artista vive nas terras litorâneas da capital baiana, onde estuda música na Ufba (Universidade Federal da Bahia).

Ela também cita as tradições culturais e a vida pregressa em Igatu, onde já morou, como referências que se combinam em suas expressões artísticas. “Fui percebendo que esses cantos de ladainha, os benditos, a capoeira, o aboio, permanecem aqui dentro”.

O repertório da apresentação, formado por composições autorais e interpretações, ganhou um brilho especial com a participação de Antônia Santana, mais conhecida como Dona Tuninha, que apresentou ao público músicas do cancioneiro igatuense, que ouve e canta desde sua infância. Sua presença incorporou a ancestralidade, que Calu Manhães também aponta como uma das referências que compõem sua identidade, além de ser um tema presente na programação da Fligê.

Dona Tuninha, de 68 anos, é guia turística em Igatu. “Eu gosto muito de cantar e sou guia. Saio, vou com as pessoas, chego nos lugares e canto. Aí todo mundo gosta. Eu canto e mostro o que vive em torno de nós”, contou Dona Tuninha. Além de guiar turistas e nativos por trilhas montanhosas de até 14 quilômetros de extensão, Dona Tuninha pratica há anos o Terno das Almas, uma tradição cultural e religiosa que ocorre durante a Semana Santa.

A tradição consiste em reunir um grupo de pessoas vestidas com lençóis brancos que saem à noite em procissão pelas ruas e casas, cantando e rezando benditos, que são cânticos de louvor. Suas cantorias e rezas são entoadas para interceder pelas almas do purgatório, em uma manifestação de penitência e devoção. “A pessoa falecida às vezes é esquecida e não tem ninguém para rezar por ela, então nós fazemos esse ritual para liberar as almas. No Terno das Almas, fazemos uma homenagem para todas as pessoas que já se foram”, explicou Dona Tuninha.

Mais do que uma profissão, Calu acredita que cantar seja uma vocação. “Tenho certeza de que comunicar o que me atravessa é uma missão. Não é uma missão só minha, eu carrego gente comigo me ajudando a cumpri-la”. Maria Diamantina, amiga de infância e fã de carteirinha, concorda. “Para mim, é sempre uma experiência incrível acompanhar Calu. Nós nos acompanhamos desde muito cedo, crescemos juntas, e é muito bonito ver como ela vem se desenvolvendo desde muito nova. Ela tem muita pulsação pela arte, cresceu fazendo isso e sempre teve um sonho, e esse sonho a move em direção às realizações”.

Ícaro Alvim, que é natural de Juazeiro mas mora em Mucugê há três anos, também expressou encantamento. “A experiência da Fligê é maravilhosa, porque traz artistas de todas as linguagens possíveis para nós. Privilegiar uma artista da terra, de Igatu, que é aqui do lado, é muito incrível. A experiência do show de Calu é isso, essa identificação nossa, da nossa raiz cultural. A Fligê traz isso para nós: uma forma de identificação cultural e de ancestralidade”, concluiu.

A 7ª edição Feira Literária Mucugê, realizada os dias 24 a 28 de julho, conta com o apoio do Governo Federal, do Governo do Estado da Bahia por meio da Secretaria Estadual da Educação e Superintendência de Fomento ao Turismo – Sufotur, com parceria da Secult/Fundação Pedro Calmon e coletivos culturais.

Repórter: Érika Camargo

Fotos: Lua Ife


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