O Rei é preto: Pai Inácio, o símbolo de resistência da Chapada

O Centro Cultural, na Fligê 2024, foi palco de uma discussão rica sobre as histórias e lendas que falam sobre Inácio, homem preto que foi escravizado e se apaixonou pela filha de um coronel poderoso da região. No dia 27 de julho, às 9h, a Mesa VI: “Escritas de Pai Inácio: o rei da Chapada Diamantina”, com Gildeci de Oliveira Leite, Mirandí Oliveira, Jorge Firdauz e Emílio Tapioca, com mediação de Filismina Fernandes Saraiva, abordou as relações culturais, sociais e políticas em torno da figura de Pai Inácio.

De acordo com a escritora Mirandí Oliveira, a história de Inácio gira em torno da perseguição que ele sofreu do coronel quando este descobriu que sua filha estava apaixonada por um homem preto e escravizado. Para além da lenda, Mirandí diz que queria conhecer mais afundo e saber como eles se conheceram, como eram os encontros às escondidas, quais foram as aflições que eles sentiram ao serem descobertos pelo coronel. “Então procurei esses detalhes e não encontrei, e resolvi escrever um romance dessa história linda, de sofrimento e de abusos contra o povo negro escravizados”, relata.

Para o professor Gildeci de Oliveira Leite, para além de um morro, de um ponto turístico, é preciso entender que “Pai Inácio é a grande referência negra na Chapada Diamantina, então pouco importa se ele existiu, o que importa é a representação e o capital simbólico enquanto resistência negra na região”, comenta. Muitas pessoas não acreditam nas lendas e na existência da figura de Pai Inácio, e isso se deve a falta de documentação escrita, já que suas histórias são da tradição oral, todavia, para além de registro, esse homem preto é um símbolo de luta para os povos pretos e pardos.

Segundo o escritor Jorge Firduaz, é preciso trabalhar a narrativa sobre Pai Inácio dentro de vários pontos de vista, por isso sua intenção ao escrever seu livro foi a de contar essa história tão relevante para as nossas gerações, já que muitos jovens pouco conhecem sobre a lenda de Pai Inácio. “Para mim o importante não é discutir se ele foi real ou não real, se era Inácio ou Ignácio, existem muitas histórias, mas essa não é a abordagem que eu gostaria de ter, a minha preocupação é com o simbolismo dele aqui na Chapada Diamantina”. Novamente, retornamos a tratar da questão resistência de um preto escravizado, e reivindicar a importância da lenda para além do morro que vai se visitar, para que a população oprimida exerça cada vez mais sua autonomia e liberdade.

O escritor Emílio Tapioca relata que em um poema do livro “Encontros de versos e rima”, da professora Ana da Silva Oliveira, a lenda ganha dimensões poéticas e diz: “O Morro do Pai Inácio tão importante cenário, provoca admiração ao povo da região, e todos os turistas que a Chapada visitam, conta-se que o escravo Inácio loucamente apaixonado, e que diz estar com a roupa da filha do senhor, foi perseguido e acuado para então ser castigado. Desce serra, sobre morro, pega aqui, pega acolá, o pobre Inácio cansado, quase para não aguentar e os capangas em calço para o escravo alcançar. Chegando ao topo do morro, só a Deus pediu socorro. E naquele instante, ali tinha algo a decidir, saltar ou se entregar, não tinha tempo para pensar. No auge do desespero, saltou do despenhadeiro e fez de paraquedas a sobrinha da amada Mariazinha. E o milagre do amor, com certeza, o salvou”.

Esse poema faz parte do imaginário da Chapada Diamantina, e está na oralidade do povo da região há muito tempo e como isso é instigante. Nos anos de 1700, já era de conhecimento os quilombos de Andaraí e do Godoy, e por isso mesmo, a figura de Pai Inácio não pode se restringir ao patrimônio material, histórico e cultural, pois muito se admira e se sabe das belezas naturais e espaciais desses lugares, mas pouco se sabe das suas reminiscências e do sentido de pertencimento desse espaço-tempo-lugar, que nasce da presença de Inácio nos terreiros de jarê. Por fim, é preciso compreender o espaço que Pai Inácio ocupa enquanto entidade que povoa a mente de várias gerações na Chapada Diamantina. Por isso, ele é o rei preto, o rei da Chapada, pois suas histórias e lendas se entrelaçam nas trilhas e letras diamantinas.

Repórter: Larissa Caldeira

Fotógrafo: Igor Chaves


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