A Fligê 2025 mergulha na obra do escritor baiano, revelando rios, matas e orixás como forças que atravessam memória, território e resistência cultural.
Na mesa “Rios e matas na literatura de Jorge Amado”, a Fligê 2025 convidou o público a percorrer os caminhos da natureza que atravessam a obra do escritor baiano, revelando não apenas cenários, mas personagens vivos carregados de memória, ancestralidade e política. Mediado por Samira Soares, pesquisadora da literatura negra, a conversa contou com a biógrafa premiada Josélia Aguiar e com o romancista e professor Gildeci Leite, criador do conceito de “Literatura de Axé”.
Ao falar sobre os rios e matas que habitam a literatura de Amado, Josélia Aguiar destacou que eles não são apenas cenários: “Dá para fazer a leitura: a luta pela terra do sul da bahia, as grandes lutas, ele (Jorge Amado) fala: ‘terra adubado em sangue”. Ela lembrou como o autor retrata a devastação das plantações de cacau, a perda de terras e a migração forçada para a cidade, trazendo a natureza como testemunha e participante da história das pessoas. Essa dimensão é marcada também pela forte ligação de Amado com o território, refletida no sítio Peji de Oxóssi, onde viveu enquanto deputado, demonstrando que a vida urbana nunca rompeu completamente seu vínculo com a terra e a mata.
Gildeci Leite aprofundou a discussão sobre ancestralidade e espiritualidade, mostrando como os orixás atravessam a narrativa: “Em Dona Flor e seus Maridos, por exemplo, Dona Flor é filha de Oxum, rainha das águas doces e grande cozinheira. Na tradição do axé, a cozinha é um espaço de poder, não de subserviência. A presença dos orixás e da natureza revela a força política e espiritual que perpassa os textos de Jorge Amado.” Para ele, rios, matas e cosmologias africanas não são apenas simbólicos, mas estruturam a visão de mundo presente nas obras, reforçando o respeito à ancestralidade e à cultura de matriz africana.
Samira Soares trouxe uma dimensão social à discussão, lembrando que a literatura de Amado ajuda a compreender como certas representações se formam: “ Hoje, é fundamental compreender como a representação literária de jovens negros e de periferia, como em Capitães da Areia, se conecta com as dinâmicas sociais e culturais locais.”
A mesa também abordou a atuação política de Jorge Amado, que foi reconhecido como Obá de Xangô e Ogã de Oxóssi, e que, enquanto deputado, atuou para garantir a liberdade religiosa e o respeito aos terreiros de candomblé. Sua preocupação com a preservação da identidade local, da diversidade cultural e da conexão com a terra, frente a pressões externas e à hegemonia americana, revela como sua obra articula literatura, política e resistência cultural.
Assim, os rios e matas de Jorge Amado deixaram de ser meros cenários e se tornaram forças vivas que atravessam sua narrativa, conectando o leitor à memória, à ancestralidade e à resistência, reafirmando a literatura como instrumento de reflexão, transformação e cuidado com a vida.
Repórter: Sara Dutra
Fotógrafo: Lua Ife
Este projeto foi contemplado no Edital de Apoio às Festas, Feiras e Festivais Literários (n.º 01/2024), por meio do Programa Bahia Literária, com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, via Fundação Pedro Calmon.
O edital é direcionado à modalidade de fomento à execução de ações culturais, conforme o Decreto Federal n.º 11.453/2023, a Política Estadual de Cultura (Lei n.º 12.365/2011), o Plano Estadual de Cultura (Lei n.º 13.193/2014), o Plano Estadual de Educação da Bahia (Lei n.º 13.559/2016) e a Lei Federal n.º 14.133/2021. O projeto conta ainda com o apoio cultural do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), vinculado à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por meio da Rádio Educadora FM e da TVE Bahia.