“Hoje venho contar a vocês
A história de um grande cantador
Que fez das andanças poesia
Cantou a vida, a sorte da vida e o amor”
Na noite de sábado (15), o público da Fligê se reuniu na Praça dos Garimpeiros, em Mucugê, para render uma homenagem cheia de saudade e admiração a Evandro Correia, artista conquistense que partiu em 12 de junho deste ano, aos 66 anos, deixando um vazio do tamanho de sua poesia. No espetáculo “Canário da Terra”, sua filha, a cantora e compositora Marlua, conduziu o bloco da saudade, celebrando vida e obra de Evandro, repaginando o cancioneiro da sua trajetória com ritmos nordestinos e latinos.
Evandro é um formador da poética conquistense. Seu lirismo delicado, de raízes sertanejas, falava de amor, entrega, religiosidade e das contradições da vida com a mesma intensidade. Suas canções são alicerces da memória afetiva de uma cidade e de uma região.
“Foi menino de recado
Sapateiro, jogador de futebol e empacotador
Levantou paredes dos seus e de outros
E da lida da vida foi professor”
Para compor o espetáculo, Marlua intercalou as canções do pai com um poema em cordel formada em sete partes de sua autoria. Essa poesia conduziu o repertório, marcando a trajetória de Evandro: o menino simples, o trabalhador, o pai dedicado, o artista de afetos transbordantes.
“Hoje canto pra vocês, com orgulho e alegria
A vida e obra do meu pai
Para que a lágrima seque
Mas que não perca seu brilho”
No palco, cada detalhe carregava significado. O figurino foi formado por um acervo de relíquias: Marlua trajava um vestido que trazia retalhos das camisas do pai; os integrantes da banda usavam coletes que lhe pertenciam; o violonista Lincoln Bispo tocava o instrumento mais querido do artista.
Acompanhada por uma banda de peso, Marlua fez ecoar na Fligê uma sonoridade robusta, de muitas camadas e texturas. Estavam no palco músicos que foram companheiros de longa estrada de Evandro, alguns por mais de três décadas: Luciano PP no contrabaixo, também responsável pela direção musical junto a Marlua; Beto Batera na bateria, amigo de toda uma vida; Pipa (Isadora Oliveira) na percussão, que tocava com Evandro desde a adolescência; Léo Callegari no piano e sanfona, do Forró Temperado; Lincoln Bispo na guitarra, parceiro em novos projetos; e ainda Rafa Barreto, na flauta transversal e cavaquinho. A presença de cada um não era apenas musical, mas memorial, um reencontro com o “painho” que partiu.
“Mas sua maior conquista, que talvez vocês não saibam, era ele ser pai.
Ajuntou as coisas todas que amava
Escreveu sobre mim e meus irmãos
Marlua, Marcéu e Lis”
Marcéu de Sousa, filho de Evandro, falou sobre a emoção desse momento especial: “Foram mais de 30 anos de carreira, ele nos deixou tem pouco tempo, ainda é tudo muito sensível pra mim. Eu tava ali me emocionando, e a cada música, cada estrofe, cada poesia que ele musicou e escreveu, é um trecho da história dele, da minha história, da minha mãe, das minhas irmãs. É a nossa história que tá ali no palco”.
As paixões de Evandro também estiveram presentes nos ritmos. Orgulhosamente nordestino, ele amava a música popular. “Ele dizia que eu era uma moça regueira”, contou Marlua, apaixonada pelas afro-brasilidades e pelo reggae. O repertório reafirmou essa diversidade de referências: canções que eram boleros ganharam roupagem de baião; outras viraram blues afro-latino; houve lugar para o brega antigo, aquele de bailinho de cabaré, tão admirado por Evandro. A cada arranjo, uma nova camada de significados se revelava, como se o show fosse também um exercício de reimaginar o gosto musical do homenageado.
“Ele era orgulhosamente nordestino
Amava os ritmos e sons e tons
De toda forma e qualidade ele tava lá ouvindo
Era arrocha, brega, bolero, axé
Até se inspirar e escrever um mote”
A plateia acompanhou emocionada, cantando junto, dançando: “Eu sou apaixonada por Evandro Correia por toda a vida dele. E Lua ficou aí pra terminar de cumprir a missão, e tá fazendo isso perfeitamente. Essa é a segunda vez que assisto a esse show e vai ser sempre a mesma emoção. Quando cantar Menino da Vida, Estrela Guia e Gema, não vou segurar as lágrimas”, contou Daniela Seles, geógrafa e mestre em geografia.
Evandro estava presente a cada música, a cada verso, na lembrança do público, nos arranjos reinventados, na força do cordel, nos símbolos espalhados pelo palco. “Canário da Terra” foi uma ode em corpo e alma a um artista que ensinou a cantar o amor em sua plenitude, entrou para a eternidade e permanece ecoando, agora, pela voz de sua filha.
Repórter: Érika Camargo
Fotógrafa: Lua Ife
Este projeto foi contemplado no Edital de Apoio às Festas, Feiras e Festivais Literários (n.º 01/2024), por meio do Programa Bahia Literária, com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, via Fundação Pedro Calmon. O edital é direcionado à modalidade de fomento à execução de ações culturais, conforme o Decreto Federal n.º 11.453/2023, a Política Estadual de Cultura (Lei n.º 12.365/2011), o Plano Estadual de Cultura (Lei n.º 13.193/2014), o Plano Estadual de Educação da Bahia (Lei n.º 13.559/2016) e a Lei Federal n.º 14.133/2021. O projeto conta ainda com o apoio cultural do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), vinculado à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por meio da Rádio Educadora FM e da TVE Bahia.