Autores debateram a literatura como ferramenta de sobrevivência, liberdade e mudança do olhar sobre a vida e a natureza
A mesa “Linhagens da escrita e armário de memórias naturais”, da Feira Literária de Mucugê, foi palco de um dos debates mais sensíveis e profundos do evento. Mariana Paim, Nilton Milanez e Eliane Marques trouxeram à tona reflexões profundas acerca da literatura, da vida, da ancestralidade e da política, sob mediação do professor Jorge Pereira. A conversa aconteceu no sábado, 16, e percorreu as raízes geográficas e afetivas que moldam a criação literária.
O ponto de partida do debate mergulhou nas paisagens de origem dos autores, que apresentaram suas próprias trajetórias e visões, revelando como a escrita se torna ferramenta de sobrevivência, memória e transformação. Mariana Paim, natural do sertão baiano, definiu a literatura como uma ponte que a conecta ao mar, um lugar que, para ela, representa o anseio por novos horizontes. Inspirada pela avó, contadora de histórias, a autora também relacionou o “armário” ao local de esconderijo e medo de pessoas LGBT, destacando que sua literatura pretende abrir essas portas. Para ela, escrever é um gesto vital: “a escrita me salva todos os dias”.
Já o professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Nilton Milanez, trouxe para a mesa as lembranças de sua infância vivida no interior de São Paulo, onde o “mato” e o “rio Jacaré” eram espaços de perigo e escuridão, mas também cenários presentes na descoberta da sexualidade. Para ele, a arte não é separada da vida: “a existência é a própria arte”, afirmou, destacando que suas experiências-limite alimentam sua criação estética e que, hoje, o ajudam a desconstruir essa visão da natureza. Ao falar de ancestralidade, lembrou da figura do pai, que lia para ele com os silêncios e as páginas reais do cotidiano. Hoje, a escrita se tornou, para o professor, um espaço de autoanálise e terapia.
A autora da obra “Louças de Família”, escritora e psicanalista, Eliane Marques, partiu do pensamento de Lélia Gonzalez para refletir sobre a natureza como elemento civilizador nas tradições africanas. Eliane também fez questão de destacar que a literatura negra vai muito além do sofrimento e trata-se também de invenção, liberdade e afirmação. Ao evocar a ancestralidade, emocionou o público ao nomear Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo como inspirações que guiam sua trajetória. Para Eliane, escrever é um espaço de liberdade e prazer, reafirmando a literatura como um território de resistência e emancipação.
A mesa mostrou que, embora vindos de origens e experiências distintas, Mariana, Nilton e Eliane compartilham a crença na literatura como algo essencial para a existência, manutenção de memórias, dar voz e visibilidade ao que precisa ser dito e abrir caminhos para novas narrativas no Brasil.
Repórter: Pedro Novaes
Fotógrafo: Lua Ife
Este projeto foi contemplado no Edital de Apoio às Festas, Feiras e Festivais Literários (n.º 01/2024), por meio do Programa Bahia Literária, com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, via Fundação Pedro Calmon.
O edital é direcionado à modalidade de fomento à execução de ações culturais, conforme o Decreto Federal n.º 11.453/2023, a Política Estadual de Cultura (Lei n.º 12.365/2011), o Plano Estadual de Cultura (Lei n.º 13.193/2014), o Plano Estadual de Educação da Bahia (Lei n.º 13.559/2016) e a Lei Federal n.º 14.133/2021. O projeto conta ainda com o apoio cultural do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), vinculado à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por meio da Rádio Educadora FM e da TVE Bahia.