Vozes do Sagrado: OSBA transforma Igreja Santa Isabel em palco na Fligê

Os versos do poema “A Jesus Cristo Nosso Senhor”, de Gregório de Matos, ecoaram na Igreja Santa Isabel como início do concerto Vozes do Sagrado, realizado pela Orquestra Sinfônica da Bahia neste sábado (16), durante a Feira Literária de Mucugê.

A Igreja Matriz da cidade foi palco de um passeio por clássicos do repertório sacro, do barroco ao fim do classicismo. Erguida em meados do século XIX, a igreja possui uma fachada neoclássica, três naves internas e pilares feitos de alvenaria de pedra, marca das construções da Chapada Diamantina. Um cenário e ambiente que convidam à contemplação, ao silêncio e à conexão com o sagrado, ideal para o concerto da noite.

“Acho muito importante a gente trazer a música barroca para os lugares que são apropriados para ela. Essa igreja tem a acústica perfeita para isso, é uma igreja toda de pedra, perfeita para a música barroca”, contou o maestro Carlos Prazeres antes da apresentação.

Cerca de 25 músicos estavam presentes, cerca de um terço da composição original da OSBA, criando uma noite especial para o público da Fligê, que foi presenteado com diversos momentos da relação da música clássica com o sagrado, como a tensão entre o corpo e a alma e a angústia da busca pela salvação espiritual do barroco.

“Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado. Da vossa alta clemência me despido. Antes, quanto mais tenho delinquido. Vos tenho a perdoar mais empenhado”, recitou o ator Marcelo Praddo antes da primeira música, marcando o tom denso do soneto do poeta barroco baiano.

Sob regência de Carlos Prazeres, a orquestra abriu com a Cantata nº 199 de Johann Sebastian Bach, considerado um dos maiores compositores do período barroco. Antes da execução, o maestro, reconhecido por seu esforço para popularizar a música clássica, explicou como a Cantata nº 199 representa a relação conflituosa com o sagrado, demonstrando como a música transita de acordes pesados, quando fala sobre as agonias que o eu lírico no começo da música, mudando para acordes mais leves e alegres ao final, quando a reconciliação com o divino está feita.

A cada peça, Prazeres apresentava o contexto da composição, explicando como a relação do compositor com a música sacra se transforma a partir do contexto e do período em que as obras foram compostas. “O peso do barroco foi sendo podado. O sagrado no período clássico vai sendo representado por essa claridade, uma música mais cristalina”, explica o maestro antes da execução de Ave verum corpus, de Wolfgang Amadeus Mozart.

Passando por Bach, Galuppi, Mozart e Schubert, o espetáculo seguiu com um público atento, que se espalhava pelos bancos, pelos mezaninos, tomado por um silêncio reverente que só se quebrava entre uma peça e outra para os aplausos.

Em um dos momentos mais surpreendentes, o maestro Carlos Prazeres caminhou pelo corredor central e retornou à frente da orquestra tocando oboé, conquistando sorrisos e aplausos. Logo depois, a atmosfera ganhou contornos quase teatrais com a entrada da soprano Marília Vargas, que surgiu com um véu branco, encenando um mini casamento enquanto interpretava uma nova canção.

Um presente para os ouvidos e para a alma

A experiência foi descrita pelos espectadores como uma noite de encantamento e emoção. Para a assessora parlamentar Lia Sant’Ana, que veio de Brasília, o público saiu mais leve do concerto. “É um presente para a alma, para o coração e para a mente. A gente sai daqui voando, plumando”.

O professor Leandro Aguiar, de Mucugê, destacou o caráter formativo da apresentação ao levar a filha para assistir à orquestra: “Sou apaixonado pelo trabalho do maestro e todos os outros músicos, principalmente pela forma como tornam o concerto bastante didático para quem consome pouco a música clássica. Estava observando a minha filha no processo. É uma oportunidade de mostrar outros tons, outras cores, outras fragrâncias da música, criando uma oportunidade para ela sentir outros sentidos, perceber outras coisas”. 

A administradora Ivânia Santos, que acompanha a OSBA desde a chegada de Carlos Prazeres a Salvador, lembrou da transformação da orquestra nos últimos anos. “Ele fez uma revolução fantástica de popularizar a OSBA, que era muito elitista. Levou para os bairros, para festas populares, trouxe cantores de axé para o TCA (Teatro Castro Alves), fez todo mundo se sentir parte. E agora aqui em Mucugê, que é um lugar maravilhoso, e nessa igreja que tem uma acústica maravilhosa, foi mais uma noite de muita emoção”.

Um dos momentos mais emocionantes da noite, quando Marília Vargas interpretou a Ave Maria, de Franz Schubert, acompanhada do piano, levou a professora universitária Sara Rios às lágrimas. “Fiz canto coral quando eu estava fazendo graduação, então aquilo me emocionou, eu chorei. E o fato de popularizar isso foi fantástico. E também filmei um bebê de mais ou menos um ano, fazendo assim (gesto de reger). Eu falei, meu Deus, ele tá regendo! Fiquei encantada ao ver as pessoas ao redor, se envolvendo com a orquestra, foi fabuloso”.

Repórter: Paula Janay

Fotógrafo: Thiago Gama

 

Este projeto foi contemplado no Edital de Apoio às Festas, Feiras e Festivais Literários (n.º 01/2024), por meio do Programa Bahia Literária, com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, via Fundação Pedro Calmon.
O edital é direcionado à modalidade de fomento à execução de ações culturais, conforme o Decreto Federal n.º 11.453/2023, a Política Estadual de Cultura (Lei n.º 12.365/2011), o Plano Estadual de Cultura (Lei n.º 13.193/2014), o Plano Estadual de Educação da Bahia (Lei n.º 13.559/2016) e a Lei Federal n.º 14.133/2021. O projeto conta ainda com o apoio cultural do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), vinculado à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por meio da Rádio Educadora FM e da TVE Bahia.

 

 


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