Tiganá Santana encerra penúltimo dia da Fligê com show marcado por ancestralidade, poesia e emoção coletiva

Em sintonia com o tema “Rios e Matas da Narrativa”, o artista transformou a noite em celebração de memória, espiritualidade e encontro coletivo

Na noite de sábado (16), o palco principal da 8ª edição da Fligê – Feira Literária de Mucugê – foi tomado pela presença magnética de Tiganá Santana, cantor, compositor, poeta e filósofo, que conduziu o público em uma verdadeira travessia musical entre palavra, pensamento e ancestralidade. O show, que começou às 22h, encerrou o penúltimo dia da festa literária e ficará guardado na memória de quem esteve presente.

Reconhecido internacionalmente como o primeiro compositor brasileiro a lançar um álbum autoral em línguas africanas – como kikongo e kimbundu – Tiganá também canta em português, inglês, francês e espanhol. Sua voz e suas composições ecoaram no coração da Chapada Diamantina em um repertório que transitou entre raízes afro-atlânticas, cosmologias ameríndias e memórias da terra. Entre músicas como Das Matas, Muloloki, Flor Destinada e Vida-código, o artista transformou o palco da Fligê em espaço de escuta e encantamento. Cada canção parecia se enraizar no público como as árvores que cercam Mucugê, cada acorde fluía como rio a correr.

O ápice da noite veio quando Tiganá entoou Dembwa – 10 de agosto. A plateia, emocionada, cantou junto o refrão: “O tempo pediu para a folha dançar, pra folha dançar e nunca parar, e sempre curar o dia.” Mesmo após a despedida, os versos seguiram ecoando no coro coletivo, até que o artista e sua banda, visivelmente tocados pela energia do público, retornaram ao palco para um bis carregado de gratidão. Foi um encontro raro, em que palco e plateia se confundiram em uma só voz.

Em entrevista após a apresentação, Tiganá definiu o momento como um encontro marcado pelo encantamento: “Para mim foi absolutamente tudo no plano do encantado, fazer música e, por meio dela, me encontrar com essas pessoas que formaram um público tão especial. Eu desejo vida longa à Fligê, que cumpre um papel essencial para nossa cultura, para pensar arte, literatura e viver essas instâncias criativas aqui na Chapada Diamantina.”

O show também marcou profundamente o público presente. A soteropolitana Raíza Freitas, que acompanhou a apresentação pela primeira vez, descreveu a experiência como única: “O show foi maravilhoso, a voz dele, as composições, a energia… parecia que eu já conhecia aquelas músicas de algum lugar, mesmo sem nunca ter ouvido antes. É um som ancestral, que mexe com a gente. Ficaria por mais três ou quatro horas ouvindo, se fosse possível.” Já os músicos Geovana Maria e Peu Tanajura, da banda Ligado em Modo Baiano, destacaram o sentimento de pertencimento despertado pelo artista: “O som de Tiganá é ancestralidade e raiz. Ele nos coloca de volta ao chão, à nossa essência. Foi impecável. Ouvir Tiganá aqui, em nossa cidade, é uma experiência de pertencimento e de multiplicação cultural.”

A apresentação também dialogou de forma profunda com o tema desta edição da Fligê, “Rios e Matas da Narrativa”. As músicas de Tiganá evocam os rios como correntes de memória e resistência, e as matas como territórios de sabedoria e espiritualidade. Em suas palavras, “talvez a minha vida toda seja uma tentativa de me aproximar dessas manifestações daquilo que a gente chama de natureza. Não é só o assunto, mas a forma da música acontecer. Espero que ela se manifeste próxima das seivas das árvores, das quedas d’água, das folhas que balançam. Essas são minhas maiores inspirações.” Assim, a apresentação se tornou também um gesto poético e político, reafirmando que a arte pode abrir outros caminhos para pensar e sentir o mundo.

Mais do que um show, a noite de Tiganá Santana na Fligê foi uma celebração da palavra em sua dimensão mais ampla: canção, filosofia, ancestralidade e diálogo. Em perfeita sintonia com a natureza e com o espírito da feira, o artista mostrou que a literatura – assim como a música – é também um rio que corre e uma mata que resiste, guardando saberes antigos e apontando para novos futuros. Ao final da noite, Mucugê respirava o eco das vozes que cantaram juntas, como se a própria Chapada Diamantina tivesse se tornado parte do espetáculo. A Fligê, mais uma vez, cumpriu seu papel de ser território vivo de encontros, memórias e encantamentos.

Repórter: Sara Dutra

Fotógrafo: Igor Chaves

 

Este projeto foi contemplado no Edital de Apoio às Festas, Feiras e Festivais Literários (n.º 01/2024), por meio do Programa Bahia Literária, com o apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Educação e da Secretaria de Cultura, via Fundação Pedro Calmon. O edital é direcionado à modalidade de fomento à execução de ações culturais, conforme o Decreto Federal n.º 11.453/2023, a Política Estadual de Cultura (Lei n.º 12.365/2011), o Plano Estadual de Cultura (Lei n.º 13.193/2014), o Plano Estadual de Educação da Bahia (Lei n.º 13.559/2016) e a Lei Federal n.º 14.133/2021. O projeto conta ainda com o apoio cultural do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), vinculado à Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por meio da Rádio Educadora FM e da TVE Bahia.


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