José Carlos Capinan
Um guerreiro da lírica palavra que canta a liberdade
Jose Carlos Capinan é o nosso escritor homenageado da 6ª edição da Feira Literária de Mucugê – Fligê. Já honrou o palco da Fligê, na edição de 2016, quando abordou a Poesia na Música Popular Brasileira e sua presença transbordante reverbera para este ano de 2023.
Segundo o jornalista Mario Ferreiro, especialista em música, Capinan “ é um bravo poeta guerreiro da canção popular brasileira. Essa sua afirmação enaltece a música e a literatura na produção literária de nosso escritor homenageado e estratifica a sua relação com o tema da Fligê 2023: Literatura e Música.
Contudo, na sua autorrevelação, é um guerreiro tropicalista. Foi Maria Bethânia a voz que o revelou, em 1965, nos festivais, com a canção Viramundo. A partir desse acontecimento, se firmou como um dos principais letristas. Seus poemas foram matéria para canções, mas a forma literária se impôs como obra.
Tem sua produção, entre a literatura e a música, com o uso da costura que o poeta imprime do lirismo e com a necessária vitalidade do engajamento político na sua escrita. Seu livro Inquisitorial ( 1996) é dedicado
Ao povo,
lúcido de estar sempre obrigado
a me corrigir, para poucas vezes ser
inconsequente na participação de sua luta
contra o desespero e falta de liberdade,
enquanto ocorram.
(Inquisitorial, 1996).
É baiano, parceiro de músicas com outros deste solo, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e, também, com compositores do nosso cancioneiro de cantos diversos do Brasil, como Jards Macalé, Edu Lobo, Paulinho da Viola, João Bosco, Francis Hime, Gereba, Torquato Neto, Zé Ramalho e outros.
Cursou Direito na Universidade Federal da Bahia, mas não concluiu, e ligado à UNE, envolveu-se com o movimento estudantil, imerso nas atividades culturais. Dedicou-se ao teatro, época em que conheceu Tom Zé, Caetano Veloso e Gilberto Gil, também estudantes contemporâneos. Nos anos de 1964, perseguido pela ditadura, sai de Salvador para São Paulo e integra-se no trabalho com agência de publicidade, ampliando seu círculo de amizade com outros artistas engajados, como Geraldo Vandré (que fazia jingles para a agência), além de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal (do Teatro de Arena), que o levaram para o meio musical de São Paulo. Logo depois, foi apresentado a Edu Lobo, compondo a música Ponteio, vencedora do Festival de 1967. Retornando a Salvador, cursa medicina.
É imortal da Academia de Letras da Bahia, na cadeira 36, tomando posse em 17 de Agosto de 2007. Relata que nunca se sentiu importante para estar neste lugar, mas se curvou ante a relevância de aprendizagem e convivência, perante a indicação de amigos poetas.
Sua palavra poética é (En)cantada e engajada para a vida em uma sociedade que se busca mais humanizada e plena de direitos culturais a toda gente. A palavra é criação e uso, a poesia ocupa essa dimensão de atravessar o cotidiano para ser utilizada como matéria de combate e provocação de novos mundos. Essa concepção do fazer literário está imbricada na produção de Capinan, enquanto letrista e poeta. Sua poesia, como apresentada no Livro Confissões de Narciso (1995), repousa ainda e eternamente, no carroço de umbu da caatinga. “Umbu cuja carne é assim meio fibra, meio nervo e um tanto pouca…”
Sua escrita engajada, revelada em letras de músicas, também se reveste de um lirismo existencialista, sendo Paulinho da Viola o seu intérprete por excelência nessa dimensão. O sentimento lírico borda as palavras da linguagem agreste, solo de seu nascimento, assim ponteio, moça bonita, expressões inscritas na vida interiorana.
Em entrevista à Sheyla Diniz, informa que bebe na fonte dos poetas populares:
Eu tenho uma forte base de cultura popular, em função do ambiente onde eu fui criado. Eu sou do interior, do mato. A cidade onde eu nasci é litoral, mas não tinha mar perto. Então, eu me sentia no sertão. Eu lia muito cordel. Gostava de Luiz Gonzaga. E o contato que eu tive com a poesia de rua, aqui de Salvador, foi muito importante também. Foi um cara chamado Cuíca de Santo Amaro que me despertou para isso. Ele explorava a moralidade de Salvador, o conservadorismo da tradicional família baiana, a corrupção da assembleia na política. Cuíca pegava os escândalos da vida familiar baiana e jogava em livros de cordel. Ele tinha uma técnica especial para ler e vender os livrinhos. Ele lia uma parte e deixava o resto para você ter curiosidade.
No ano de 2016, nas conversas e entreatos da Fligê, lembrei a Capinan do poema Te esperei (Capinan e Gereba, 1988), produto de seu sentimento derivado da Nova República (1988) e da volta dos amigos do exílio. Capinan traduziu em lirismo a emoção politica, a esperança. Te esperei é uma síntese do Brasil que desejamos. É um divisor da vida política brasileira e a sua voz ecoa para os cenários da retomada de 2022.
Penso que a estética nunca é pura ou inocente, ou ocupa um território acima do bem e do mal. Tem intencionalidades e funções. Em tudo o que eu faço há a marca do social, mesmo quando falo do amor, pois nada mais social que o namoro, a paixão, a relação corporal dos que se amam.
Na sua confluência de lirismo e política, Capinan afirma que poesia é jogo e prefere deixar que o significante provoque a multivocalidade do(s) poemas.
(…) Te esperei
Mais de sete dias por semana
Sem um só dia te trair
Te esperei
Te esperei mais de nove meses
Sem poder parir
Te esperei
Te esperei mais de doze vezes
Doze meses
E te esperava
Até um novo século surgir (…)
Capinan, sempre, inaugura a esperança e é uma inspiração profunda, um viramundo de interiores. É autor de um repertório literário que lança a necessidade de construção de um arco de cidadania, poesia e liberdade. A obra de Capinan nos motivar a celebrar o encontro da Fligê 2023.
Ester Figueiredo
Curadora
LIVROS PUBLICAOS
Terra à vista
Inquisitorial
Uma canção de amor às árvores desesperadas
Confissões de Narciso
Balança mas Hai Kai
Os seres e as cores nas terras do sem fim
Estrela do Norte, Adeus
Ciclo de Navegação Bahia e Gente
Vinte canções de amor e um poema quase desesperado