Mesa “Literatura: cura e cicatriz. A escrita como antídoto e memória” discute como a escrita e a literatura servem como refúgio para dores pessoais e coletivas
A proximidade dos temas criativos e vivências pessoais das escritoras Eliana Alves Cruz e Livia Natália fez com que a tarde deste sábado (13) fosse um momento de conexão e partilha sobre literatura, negritude e as formas que temos para entender as dores e as violências sofridas coletivamente.
A escritora carioca Eliana Alves Cruz e a poeta baiana Livia Natália participaram da mesa “Literatura: cura e cicatriz. A escrita como antídoto e memória”, com a mediação da professora doutora Jamile Borges.
Com muitos momentos emocionantes, escritoras e público foram às lágrimas enquanto as duas compartilhavam memórias sobre suas mães e suas ancestralidades. Os processos criativos das escritoras fazem dos seus poemas, no caso de Lívia Natália, e seus romances, no caso de Eliana Alves Cruz, sejam, também, tentativas de compreender o mundo, de criar laços, de se refugiar em momentos difíceis.
Para Lívia Natália, a poesia tem a função de não nos deixar esquecer. E, em seu próximo livro, “Em face dos últimos acontecimentos”, ela criou poemas-memórias dos últimos quatro anos, inspirados em notícias que a tocaram. Um desses poemas, foi inspirado no caso da criança que foi impedida de realizar um aborto legal. Outro, lido pela primeira vez na Fligê, deixou o auditório silencioso. Ao longo do poema, a escritora mesclava datas, números de mortos e declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia de COVID-19.
A poeta afirmou que não gostaria de ter escrito esse livro, mas a poesia é uma das formas que ela tem de tentar entender o mundo. “Uma das formas que eu tenho de me relacionar com a escrita é olhar a cena intragável e transformá-la em algo que eu consiga entender”. Nesse caso, para Lívia Natália e para os seus leitores, um poema faz com que a gente entenda e sinta o mundo. “Se você não está disposto a sentir, você não vai nem abrir o livro de poesia”.
O segundo livro que a poeta lançará este ano, “Daqui se vê o mar”, é inspirado na relação com a sua mãe, que tem mal de Alzheimer, e no que a poeta sente ao ver as memórias de quem a criou desaparecerem com o avanço da doença. Ao ler “Elegia”, que fala desse processo e tem o verso “uma filha enlutada é um afeto pesado”, e “Poema de Ano Novo”, a escritora se emocionou e recebeu um abraço apertado, cheio de afeto, e um beijo da também amiga Eliana Alves Cruz.
Uma história rememorada e compartilhada
Eliana também começou a sua fala lembrando da sua mãe, que morreu de forma súbita, de um infarto fulminante. Para ela, o ato de mergulhar na escrita, veio depois da morte de sua mãe, para responder a pergunta sobre “por que esse coração explodiu”. “Tudo o que eu escrevo precisa testemunhar porque aquele coração explodiu tão cedo. A ausência da minha mãe é a presença em tudo o que eu escrevo”. Para Eliana, antes de falar da cura, que seria trazida pela literatura, é preciso falar da ferida, no que causou a ferida. “E esse processo exige muita coragem, de se transbordar em poemas e vir numa plateia cheia e colocar todas as suas dores”.
Confira o vídeo completo da mesa no nosso canal do YouTube
Fotos Vinícius Brito.
