Práticas e inspirações poéticas marcam a Fligê

Quando aproximava-se das 10 da manhã, no sábado (17), Negafya tomava parte da rua que dá acesso ao Centro Cultural para um chamamento. Sozinha, sua voz preenchia o espaço como se estivesse acompanhada por um “bonde”. As pessoas foram se juntando e aos poucos ela conquistou o público para sua oficina de Escrita Criativa. 

Na sala do casarão que cedeu a sala para a atividade, Negafya conversava e declamava. Puxava assuntos relacionados a identidade e reconhecimento próprio, falava sobre sua experiência na literatura e seu papel enquanto mulher negra e escritora. “Tivemos um grande público nesse encontro, com interação. Poder proporcionar e viabilizar pensamentos e organizações futuras, não só momentâneas, mas também um vislumbramento para o futuro, isso é muito bom, seja de organização, de didáticas, de referências escolares”, afirmou.

Pela primeira vez na Fligê, ela comemorou: “é muito importante a poesia preta participar da Fligê. Eu venho de um bairro periférico de Salvador e pra mim poder participar de uma feira como essa é transpor mesmo a barreira do que é poesia, as pessoas quando me olham elas interpretam outro tipo de ser, outro tipo de coisa, então participar de uma feira literária transpassa muita coisa, sobretudo o racismo. Isso aqui é uma troca e conhecimento não é só dado é uma troca” 

O estudante Vitor Flagelado, estudante de História da Uneb, pela segunda vez na Fligê, participou e gostou da atividade. “Me interesso muito pela poesia de rua, pela poesia marginal e gostei bastante. Ela fez esse resgate necessário e foi bem dinâmica, bem interessante os assuntos que se atravessaram durante o oficina”, avaliou.

A oficina “Da poesia, do rap e do slam: a palavra em performance”, que ocorreu em seguida, também lidou com as premissas que envolvem voz e identidade através de potências poéticas.

A palavra é uma força. Contudo, existe latente como uma potência. É preciso nos apropriar da palavra, incorporá-la como verbo, para que se torne concreta, através do gesto escrito ou falado. “É preciso saborear as palavras”, diz a poetisa Meimei Bastos. “Elas têm cor, sabor e cheiro”.

Na oficina que ministrou, Meimei ressaltou a necessidade de apoderar-se desse instrumento e fazê-lo valer para que potências individuais e coletivas ganhem corpo no mundo. Sobretudo quando os movimentos hegemônicos são de cerceamento.

A linguagem se reveste de sentidos nobres quando utilizada para combater silenciamentos históricos. “As palavras não carregam apenas significados, mas também histórias. Contudo, algumas delas foram tomadas por determinados grupos sociais. Meu objetivo é resgatar as palavras desse contexto para ressignifica-las”.

Descolonizar a palavra é, portanto, um meio de descolonizar os corpos. “Tenho a intenção de, com essa ferramenta que é a linguagem, potencializar outras pessoas que historicamente são oprimidas e exploradas e trazer outro sentido para territórios que foram marginalizados”.

Eduardo Pereira, professor que participou da oficina, lembra que “utilizar a voz e o corpo faz parte da história do povo negro no mundo. No Brasil, isso acontece desde sempre, no samba, na capoeira, no candomblé, com o rap, com a poesia. Todos esses elementos sempre foram uma forma do povo negro e da periferia de colocar sua voz. Essa é uma forma de resistir à opressão”.

O professor também ressaltou a importância da proposta dessa oficina. “O rap e o slam são referências nesse contato de empoderamento da população negra e jovem. Ter um espaço como essa oficina num evento literário é de fundamental relevância e pra mim foi muito importante, estou muito feliz de ter participado”.

Texto: Ailton Fernandes e Érika Camargo | Fotos: Thiago Gama


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