Fligê se instala em Igatu com palavras de memória e resistência

A densa carga histórica materializada na paisagem do distrito de Igatu serviu de cenário e contexto para o espaço do sábado (17) na Fligê&TU – programação da Fligê na vila do município de Andaraí. Na Galeria Arte & Memória, o povoado recebeu a leitura compartilhada “Tem coisa que a gente não cala”, oferecida pela escritora Meimei Bastos, e o bate-papo “Afrofuturos (im)possíveis” com o escritor Itamar Vieira Junior, que na ocasião lançava o seu premiado livro “Arado Torto” (prêmio LeYa), ambos com forte discurso alicerçado na questão racial.

O escritor Itamar Vieira Junior, que bateu um papo com a plateia sobre “Arado Torto”, obra lançada em 2019, acredita que “em síntese, a Chapada Diamantina e a Vila de Igatu são paisagens que mostram muito da formação da sociedade brasileira”.

“Sobre a Terra, há de viver o mais forte”. Essa frase de impacto, que encerra “Arado Torto”, transmite a ideia de força e resistência. “Dizem que as histórias sempre são contadas pelos opressores e que, na história, eles são os vencedores. Precisamos nos perguntar: quem de fato são os vencedores? Não seriam aqueles que desde o início poderiam ser exterminados e não foram, porque continuam vivos e incomodando, como os indígenas, os quilombolas, a população negra? A história vai nos dizer que os vencedores são aqueles que por mais que tenham sido perseguidos, conseguiram atravessar o tempo e chegar aos nossos dias com voz e gás para lutar”.

Itamar ressalta que a pluralidade de vozes é uma característica da Fligê. “Nem toda feira literária tem essa diversidade que vemos aqui. A Feira Literária de Mucugê dá voz a muitos autores de diferentes regiões do país, não só àqueles que detém grandes editoras. É um espaço democrático. Esses espaços de solidariedade e de troca de arte, de texto, de histórias, nos fortalecem como pessoas”.

Memória e resistência são pautas indispensáveis ao repertório da escritora Meimei Bastos – autora do livro de poesia “Um verso e mei” –, que professa acerca da necessidade de usarmos nossos corpos e nossas vozes para contar a nossa história. “A palavra é usada como ferramenta de dominação de povos. Imagina só, eu como escritora negra, me utilizando dessa arma. Meu objetivo com esse instrumento é o de potencializar outras pessoas que historicamente são exploradas, e trazer outro sentido para territórios que foram marginalizados”.

A poeta também celebra a diversidade de vozes que encontramos na Feira Literária de Mucugê. “A Fligê tem o poder de reunir toda essa pluralidade de vozes, essa riqueza de possibilidades em um espaço. O momento que vivenciamos é de repressão, então é riquíssimo um espaço plural como esse, em que é possível se expressar. É revolucionário. As pequenas revoluções e as verdadeiras transformações acontecem em espaços assim”.

Bernardo Bahia, que veio de Brasília para participar da Fligê, conta que está encantado com o evento. “É uma festa que reúne artistas de excelente qualidade, gente que todo mundo deveria ouvir, que difundem uma mensagem muito interessante de resistência e diversidade”.

Marcos Zacaríades, artista visual fundador da Galeria & Arte, comunga com esses ideais. “A Galeria é um espaço de resistência devotado à arte, à literatura”. Mas o artista reconsidera: “aliás, não é resistência, é enfrentamento. A resistência foi antes; agora, precisamos enfrentar. Enfrentamento também feito pela Fligê, cujas abordagens e encontros são necessários, porque a arte e a cultura estão sendo perseguidas. Não é uma escolha: é um dever”.

A Cidade de Pedra – As ruínas da Vila de Igatu (a 22 km de Mucugê) impressionam aos turistas que escolhem esse destino. No pé da Serra Sincorá, onde no século XIX a mineração acontecia a todo vapor, as construções que parcialmente se erigem do chão contam a história daquele lugarejo.

As rochas que formam essas habitações eram as sobras do garimpo, uma vez que as pedras preciosas se localizavam entre elas. Era necessário, portanto, encontrar uma serventia para esse material sobressalente, cuja solução foi a de destinar esse excesso para a infraestrutura da região. As casas construídas em pedra abrigavam de forma precária os garimpeiros e escravos.

A princípio, os que serviram às atividades garimpeiras foram os sertanejos, vindos do norte de Minas Gerais; a infraestrutura, por sua vez, era erguida pela mão-de-obra dos escravos. O ciclo de diamante trouxe abundância aos coronéis, além de fomentar a prosperidade financeira da cidade, o que aconteceu às custas da incalculável perda humanitária pela exploração dos trabalhadores e escravos.

Texto: Érika Camargo | Fotos: Thiago Gama


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