Chegou a semana da quarta edição da Feira Literária de Mucugê – Fligê, evento que transforma a Chapada Diamantina em território da literatura e, nesse ano, mais ainda da poesia, por homenagear o baiano Castro Alves. Da próxima quinta (15) até o dia domingo (18), a cidade histórica de Mucugê estará repleta de escritoras e escritores e de um público apaixonado por livros.
Confira entrevista com a curadora da Fligê, Ester Figueiredo, que fala sobre a homenagem a Castro Alves e sobre a concepção da programação desse ano, que terá forte presença de autores baianos.
A Fligê é uma realização em parceria do Instituto Incluso, Coletivo Lavra e Governo do Estado, com patrocínio do Governo Federal.
Por que a Fligê resolveu homenagear Castro Alves?
Castro Alves sempre foi um intenção curatorial da Fligê. Para esta edição de 2019, optamos por representá-lo como o escritor de vida breve e longa existência, sob o aporte de sua dimensão do poeta abolicionista, do poeta romântico, do autor de textos teatrais, do performer e outras faces de sua produção.
Como é possível falar de Castro Alves na atualidade?
A biografia e obra literária de Castro Alves são inspiração para reinterpretar os navios negreiros da atualidade, as diásporas do fluxo de refugiados, apátridas que atravessam fronteiras terrestres e marítimas em busca de um pouso e vida dignos. Se vivo fosse, Castro Alves cantaria “Diáspora” dos Tribalistas, “Caravanas” de Chico Buarque…
Castro Alves em seu verso “Sê livre, és gigante”, expressão central desta Fligê, é a tradução de que a liberdade é o maior direito humano e esse direito encontra na literatura, enquanto arte e expressão social, a mobilização para interpretarmos os estados de exceção, restrição e cerceamento da criação e da vida.
Mais do que essa dimensão politica e afetiva, há uma estética em Castro Alves de ilumina afrofuturos e outros pertencimentos sociais, que serão apresentados no programa geral da Fligê, em abordagens da pessoa e a natureza, da pessoa e a sociedade, da pessoa e o amor, tanto no texto poético, como no texto teatral de Castro Alves. Para isso, a presença de Castro Alves, além da cenografia, expografia e videoinstalação, se fará na programação principal com conversas com escritores baianos que inspiram-se na sua fortuna, bem como na Fligêzinha, na peça “Céceu, o poeta do céu”, texto adaptado do livro da escritora baiana Adelice Sousa.
E como foi concebida a programação da Fligê 2019?
O conjunto da programação foi projetado para o encontro do público infantil e adulto com a obra de Castro Alves. Temos público para tudo e toda diversa programação. Será um encontro de vivências e experiências sob o tapete literário deste escritor baiano.
Castro Alves transita em duas dimensões: o homem que se eternizou jovem e o jovem que fez-se adulto na sociedade do século XIV. Muitos do contexto dessa época é, ainda, atualizado, embora tenhamos que realizar uma leitura crítica desse homem em seu tempo e da sua transmutação para ícone na atualidade.
Tivemos uma preocupação de mapear escritores e escritoras baianas que tomam Castro Alves como mote para produção literária atual. Assim, temos o Saulo Dourado, o Edvard Passos, a Adelice Sousa, Breno Fernandes que exploram traços biográficos e ou históricos e ficcionais em Castro Alves em romances, contos, peças teatrais.
Há sempre ausências, mas buscamos preencher espaços, bem como diversificar outros formatos de diálogo com o público, com perfis de diferentes escritores e escritoras.
O que mudou na Fligê nesses quatro anos?
Já há uma aderência da comunidade do entorno da Chapada Diamantina com a Fligê. A circulação do conhecimento literário é visível, tanto durante a Fligê, como após a sua realização.
Para esta edição, acolhemos casas parceiras e dispomos, com mais extensão, artes cênicas, o que potencializou a participação das escolas e estudantes. A mistura de linguagens artísticas e gêneros literários com a obra do homenageado sempre foi um tecido da linha curatorial da Fligê. Sempre nos perguntam o porquê de feira e não festa: nossa argumentação converge para os cenários discursivos que se encontram na etnografia de uma feira do interior, onde a troca, os pedidos, o troco e as cores são reverberações da cultura do lugar. Esse lugar acolhe a produção literária brasileira, e já, na sua quarta edição, em diálogo com escritores internacionais.
É o único evento literário nacional que possui um selo de publicação: o Selo Fligê, em coedição com a Alba Cultural. Nesta edição, acredito que consolida-se essa iniciativa.
Reafirmo que a Fligê se assenta, também, em educação literária. É desafiante formar leitores e leitoras, formar público participante, que esteja presente no evento como um aprendiz ativo e criativo. A educação literária é uma prática cultural, de natureza artística e criativa, e se exercita em todas as etapas da vida humana.
Quais os principais destaques da programação desta edição?
É difícil responder essa pergunta, quando se projetou uma linha curatorial a partir da exploração da obra do homenageado, tanto no que já se acumulou como memória literária, como no desfio de atualizar.
No âmbito da circulação e mercado editorial, as presenças de dois escritores premiados, o Mailson Furtado, prêmio Jabuti 2018 de livro e poesia, e o Itamar Vieira Júnior, prêmio Leya 2018, são registradas como oportunidade para o público dialogar com expressões da literatura brasileira, com a proximidade, que só uma Feira Literária oportuniza.
Escritoras como Jarid Arraes e Noemi Jaffe também estão na programação em conversas e lançamentos de livros.
Destacamos, ainda, a apresentação aos diferentes públicos da Fligê, a obra de Castro Alves em textos cênicos, orais escritos, iconografias, espetáculos, expografias, filmes… Havia o nosso desejo de encontrar um homenageado que inserisse e tivesse aderência com a juventude. Castro Alves foi a escolha, pois é um escritor que gritou, ainda jovem, ideais que permanecem e precisam ser reverberados.