Como que em pedaços, uma contranarrativa ecoava na Feira Literária de Mucugê – Fligê, em homenagem ao poeta Castro Alves. A videoinstalação “Castro Alves – a praça é do povo”, assinada por Vinicius Gil “Purki” e Ayume Oliveira, tomou como conceito primeiro a reparação histórica com o povo negro. 

Ao longo dos dias da Fligê, as pessoas que passavam pela Praça do Coreto da cidade, se atentavam aos detalhes espalhados que montavam um discurso em homenagem ao poeta baiano, que foi desconstruído e reconstruído em forma de imagens e sons. Nos bancos, trechos de poesias; nos postes, heróis negros e personagens da história brasileira; e, no próprio coreto, versos, vozes diversas, reflexos e luzes que conduziam os visitantes a uma viagem.

“A videoinstalação convida o público a uma experiência sensorial, em que o popular coreto de Mucugê se transforma na proa d’um navio, dando vistas ao mar de gente – brigue que contempla o céu”, explica Vinicius Gil, responsável pela concepção da homenagem. 

Como um enfrentamento necessário, “rostos negros são projetados e suas vozes ecoam a poesia. O protagonismo negro instaura o lugar de fala e a ancestralidade daqueles que foram a inspiração eu-lírica das obras ‘Espumas Flutuantes’ (1870) e ‘Os Escravos’ (1883)”, destaca.

A videoinstalação conecta Castro Alves a nomes como Marielle Franco, Zumbi, Dandara, Elza Soares, Mestre Moa e Mãe Menininha do Gantois, numa releitura da obra do poeta do século XIX, transpondo seus versos para as diásporas da atualidade, onde o povo negro busca fala e lugar de comando.

“É preciso se deslocar, como corrente de água ou ar, ser livre nas praças, percorrer outros corpos, acessar a empatia, marcada na escrita de Castro Alves pela capacidade de descrever a dor do outro. ‘Sê livre… és gigante’, verso de Castro Alves, é a tradução da narrativa dos navios negreiros da atualidade pela voz dos refugiadas, escravizadas e encarcerados em todas as épocas/ tempos”.

Texto: Ailton Fernandes | Fotos: J.C d’Almeida, Rosilda Cruz e Ailton Fernandes