Ana Cañas apresenta um show provocativo e necessário para os dias atuais

Luzes quentes e multicoloridas lançavam-se sobre o corpo de Ana Cañas, que se deslocava com desenvoltura e liberdade pelo palco da Fligê. O público, por sua vez, diante daquele espetáculo de luzes, ritmos e do discurso político contundente da artista, reagia com deslumbramento, encanto, perplexidade. A sua apresentação talvez tenha causado até incômodo, mas em momento algum a plateia se mostrou indiferente ao que assistia.

O show “Todxs” de Ana Cañas não pode ser descrito somente como uma apresentação musical, mas também e sobretudo como um manifesto político. Com a voz firme, sem hesitação, a artista debruçou seu verbo sobre pautas que são caras para o debate político, dando a devida importância às palavras democracia, liberdade e diversidade, comungando com bandeiras das quais a Fligê não abre mão. “Como artista, tenho mais que a obrigação de usar minha voz pra dizer as coisas que precisam ser ditas. Mesmo que joguem ovo na gente”.

Ana Cañas se referia, nessa fala, ao momento em que alguém da plateia lançou um ovo ao palco durante a apresentação. “Isso foi um gesto de ódio, uma repulsa à fala que representa a liberdade e a equidade. Jogar um ovo em mim é muito pouco, só me estimula a lutar mais, principalmente pelas mulheres”. A plateia vaiou o gesto, demonstrando que aquele era um sentimento isolado. O público da Fligê reprova o discurso de ódio e compreende a importância do show “Todxs” de Ana Cañas.


Em sua maioria acachapante, os que assistiam receberam a apresentação acaloradamente, entre aplausos e gritos de aclamação. A voz da cantora embargou em um único momento durante a noite: quando ela descreveu o que sentiu diante da receptividade ao seu show na Fligê. “Eu tenho gratidão, sabe? Porque… eu fico até emocionada. Porque a gente luta muito, e ser recebida dessa forma, com esse carinho, é muito gratificante pra uma artista. Eu só agradeço o carinho e o respeito que as pessoas têm por mim aqui”.

Com um repertório essencialmente autoral, a cantora também evocou vozes de mulheres que, como ela, desbravaram novos territórios e impuseram um discurso de força feminina: Nina Simone, Rita Lee, Ava Rocha. Em outro momento, homenageou a Bahia com “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, em que o compositor baiano enuncia: “derrama o leite bom na minha cara/ E o leite mau na cara dos caretas”.

Além de Caetano, a cantora também evocou outro nordestino, Belchior, ao interpretar “Alucinação”. “Belchior e Caetano são referências inegáveis. Além deles, trouxe Rita Lee, Nina Simone, Edith Piaf [La vie em rose], porque não tenho a intenção de abandonar o meu lado intérprete e, além disso, esses artistas continuam muito atuais, por isso gosto de trazê-los para o meu show”.

Também demonstrou versatilidade nos ritmos que compuseram o espetáculo: a artista combinou soul, jazz, funk carioca, rap, que ganhavam um tom alucinante em batidas eletrônicas sensuais.

No frio de Mucugê, Ana Cañas despiu-se de toda caretice e do conservadorismo que atravanca os caminhos para a liberdade. Evocou personalidades, ritmos, e discursos que afrontam tudo o que diminui a quem não corresponde aos padrões estabelecidos de uma sociedade que preza pela normatividade. Um show sensual, quente, político, necessário.

Texto: Érika Camargo | Fotos: Thiago Gama


Galeria de Fotos