Incertezas do presente e angústias do futuro. Assim pode-se resumir a mesa “Afrofuturismo: o devir-negro e a literatura”, a primeira da quarta edição da Feira Literária de Mucugê, realizada na sexta (16). Com a participação da professora e pesquisadora Jamille Borges, que foi consultora da Fligê nesta edição, do escritor Wesley Correia e de Zulu Araújo.
O conceito de “afrofuturismo” foi tratado como algo que ainda precisa ser melhor compreendido. “É uma possibilidade de caminho”, afirmou a professora. É um conceito muito novo que, segundo ela, combina elementos ultramodernos, é um movimento estético, ético e étnico. “Essa é uma questão planetária. O futuro é negro, é o futuro da Terra”, defendeu.
“O tema é extremamente oportuno, porque casa com três condições fundamentais: o cenário político adverso às questões raciais; a possibilidade da emergência desses novos leitores, novos consumidores de poesia e de cultura negra; e a possibilidade de colocar em diálogo os intelectuais mais seniores com escritores mais jovens, aqui na cidade de Mucugê”, estabeleceu.
Para Jamille, que coordena o Museu Afro-Digital da Memória Africana e Afro-Brasileira, a Fligê se conecta às demandas da atualidade ao tratar o tema afrofuturismo. “A mesa foi fundamental. Uma feira literária é um espaço tradicionalmente ocupado por pessoas brancas e a Fligê está em sintonia com as novas demandas, com as ações afirmativas, com as lutas do movimento negro e acontecendo isso numa cidade do interior mostra que o município de Mucugê e os coordenadores da Feira entendem que esse é um tema fundamental. Não dá para pensar, hoje, em nenhuma área, sobretudo na literária, desconsiderando a existência das realidades negras, as diásporas”, destacou.
Zulu Araújo, que coordena a Fundação Pedro Calmon, mediou a mesa colocando vários questionamentos. “O tema afrofuturismo e devir-negro é abordar a questão racial na temporaneidade brasileira, esse é um tema que está na raiz da desigualdade brasileira, a Fligê está fazendo na verdade é apresentando e contribuindo para que os intelectuais, os escritores, os autores repensem e reflitam sobre a importância e a necessidade do tema racial estar em suas obras, e não somente em suas obras, mas no seu cotidiano”, alegou.
Entre poemas e versos, Wesley Correia explicou que, embora ser um tema novo, afrofuturismo remete à ancestralidade, ao que nos define enquanto sujeitos. “A gente vive um momento de pavor generalizado, crise política em todos o setores, crise ética, crise existencial, é um momento de baixa criatividade, um momento em que se toma o compromisso de resistir a essa espécie de bestialidade institucionalizada. Portanto, discutir representações negras nas ciências, nas artes e na cultura é fundamental”, argumentou o escritor.
Segundo ele, o momento é de reafirmação. “Nosso compromisso, de quem está nas artes, na literatura, é reafirmar o sonho, a utopia, esse é nosso papel político e é a isso que a nossa arte se dispõe”.
Para os estudantes Hugo Pereira, de Tanhaçu, e Nágila Muniz, de Ipiaú, encontrar esse tema na Fligê foi fundamental. “É muito importante a gente entender esta questão de representatividade e identidade. É importante também falar sobre o futuro, pois muitas vezes a gente pensa em futuro falando de tecnologia e esquece dos meios sociais e políticos, ainda mais em tempos conturbados como esse que a gente viv”, disse o jovem. “Jamile e Wesley trouxeram pontos importantes para as questões étnico-raciais e acaba trazendo visões diferentes das visões que a gente tem. Foi um prazer estar aqui hoje com eles, foi maravilhoso”, comemorou ela.
PAPEL DA LITERATURA – Os desafios e as perguntas ainda a serem respondidas começam a encontrar saídas e respostas na literatura, acreditam os convidados.
“A literatura tem um papel fundamental, eu diria até um papel maior, pois a literatura estabelece narrativas e as narrativas elas são permanentes, elas imantam a sociedade. Nós precisamos construir uma nova narrativa na sociedade brasileira, que é a narrativa em que nós sejamos todos tratados iguais, independente da cor da pele, da região, da origem social e econômica, que é um devir, é um sonho, um sonho que tem de ser perseguido no nosso dia a dia”, explicou Zulu.
Para Jamille, a literatura sempre foi espaço para a denúncia e articulação. “Muitos escritores em diversos momentos utilizaram-se da literatura para fazer denúncias em situações de opressão, de discriminação. Não tenho dúvida que o espaço literário tem muito a contribuir como um canal preferencial para distribuição da informação e difusão de um conhecimento que hoje é um conhecimento que a gente busca ser mais emancipatório e libertário, sobretudo aos mais jovens”.
Texto e fotos: Ailton Fernandes