Há dois anos, o distrito de Igatu, pertencente ao município de Andaraí e com cerca de 400 habitantes, deixou de ser somente um local charmoso, com locais para visitação turística, ruínas de casas de pedra e vários rastros de história. Igatu, termo de origem tupi que significa “rio bom”, é cenário escolhido da Fligê para a realização da Fligê&Tu, por onde as águas do conhecimento percorrem inquietas.
É a segunda vez que a Galeria Arte & Memória sedia a Fligê&Tu. Começou em 2017, numa parceria com o artista plástico Marcos Zacariades, que reúne no local obras de arte de sua autoria, transformando cada pedacinho do lugar num espaço de memória. Foi este o local onde leitores puderam se encontrar no sábado, 18, com a homenageada da terceira edição da Fligê, a escritora Conceição Evaristo, a escritora Lívia Natália e ainda o jornalista e escritor Jean Wyllys. Mulheres negras do local foram convidadas para as discussões e também estiveram presentes.
Os autores visitaram as instalações da galeria e uma obra do artista plástico Marcos Zacariades chamou muita atenção de Conceição Evaristo: uma sala em meio às pedras traz vários feixes de lenha amarrados. A escritora se lembrou da infância em Belo Horizonte. “Aquela sala me toca pelos feixes de lenha. A gente ia pro mato buscar lenha. A gente amarrava os feixes e esperava passar o sol de meio dia. Minha mãe fazia bonecas e contava histórias sobre elas. Elas nasciam com nome e enredo”. A experiência com a oralidade despertou a escritora desde cedo. “Viver o sabor da palavra afinou a minha escuta para prestar atenção no mundo”, conta.
A obra se chama Qual é a cor da sua labuta?, criada em 2003 por Zacariades, a partir da observação do artista das atividades dos moradores do local. Ele reflete sobre a realização da Fligê&Tu. “É importante essa experiência das pessoas de trazer pra esse lugar no meio do nada outros questionamentos, outras intelectualidades, também muita simplicidade, porque o maior mérito enquanto morador de Igatu, é ajudar Igatu a se dizer. Em Qual é a cor da sua labuta? eu trago a vida dessas pessoas. É um labor que tem cor”, explica Zacariades.
No bate-papo, os espectadores puderam não só ouvir os autores sobre a literatura de resistência, como ainda fizeram perguntas e deram opiniões sobre os assuntos. “A ignorância tem sombreado o nosso cotidiano”, diz a escritora Lívia Natália, premiada neste ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte com o título de Melhor Livro de Poesia em “Dia bonito para chover”. Para a autora, por ter voz audível, o artista tem a responsabilidade de falar sobre as minorias, denunciar as injustiças, usar a palavra como instrumento de poder. A escritora reflete isso em sua poesia e trabalhos.
“Existe uma resistência que é silenciosa, que independe da representação política, que independe da literatura, de quando a resistência se faz palavra e se escreve, uma resistência que persiste nas pessoas que não lêem ou não costumam ler, nas pessoas que estão carregando as suas latas d´água, os seus feixes de lenha, que estão carregando as suas vidas e estão esquecidas do poder público Brasil adentro em cidades como essa, que muita gente não ouviu falar. Existe uma resistência do povo brasileiro que persiste mesmo não tendo seus direitos garantidos. Enquanto eu ouvia Conceição e Lívia, eu pensei: como vale a pena resistir, como essa resistência é capaz de vencer todos os nãos e empecilhos que essa vida impôs a muitas pessoas”, reflete o escritor Jean Wyllys.
A professora de história Colégio Estadual Edgar Silva, em Andaraí, Cecília da Silva, conta que já conhece muito o espaço, local onde se sente muito bem. É a segunda vez que ela retorna a uma edição da Fligê&Tu. A sensação de estar no local foi ainda melhor durante o bate-papo com os escritores: “me emocionei em vários momentos por conta do diálogo e da discussão que batem muito com as ideias que eu tenho. Achei fantástico, quanto mais Fligê&Tu tiver, melhor será”, espera.
Texto: Indhira Almeida | Fotos: Vinícius Brito
