A Chapada Diamantina esteve dedicada à arte literária durante intensos quatro dias, na cidade de Mucugê. De 16 a 19 de agosto, a cidade celebrou a palavra em suas diversas formas durante a Feira Literária de Mucugê, evento realizado pelo Instituto Conquistense de Inclusão Social e o Estado da Bahia, com o patrocínio do Governo Federal.
Homenageando a escritora mineira Conceição Evaristo, a terceira edição da feira teve como tema Literatura e resistência: a vida nos rastros da palavra. “A definição do tema e a homenagem desta edição muito se deve a necessidade de revelar a ausência das escritoras negras no mercado editorial, bem como a necessidade de que essas mulheres escritoras encontram de criar seus próprios canais de divulgação de sua arte, sua escrita e seu lugar de produção cultural. Conceição Evaristo, nossa homenageada, é uma síntese desse momento”, explicou a curadora Ester Figueiredo.
Presente da cerimônia de abertura até o último dia da Fligê, a escritora Conceição Evaristo se encontrou com outras escritoras, pesquisadores da sua obra, com artistas e, principalmente, interagiu com a comunidade de Mucugê, retribuindo as homenagens. “Cada homenagem que eu recebo de literatura, confirma que tudo vale a pena. A literatura é um produto cultural que tem que pertencer a todos. Este evento é um dos pontos altos de democratização da leitura, da escrita. Por isso defendo essa ideia de que a leitura e a escrita devem ser bens culturais pertencentes a todas as pessoas”, destacou.
A partir de Conceição Evaristo, a Fligê colocou como protagonistas outras mulheres negras e escritoras, o seu lugar de fala, o pertencimento feminino e as suas produções literárias. Mulheres que escrevem e publicam, mas que não encontram lugar nas prateleiras das livrarias e dependem de espaços como a Fligê para difundir sua escrita. “A mulher que cria, a mulher que insiste, a mulher que é palavra, que absorve e que enfrenta o que deve ser enfrentado, indo contra outras forças da sociedade. Durante a Fligê, nós circulamos afetos, uma produção de afetos que se revelou em conhecimento literário e em sabedoria, porque a literatura não está apenas na academia, está em todos os becos de memória”, disse a professora Ester, fazendo referência ao livro de Conceição.
“As feiras literárias fortalecem a nossa identidade, a política de cultura e de educação, faz com que a gente circule com os autores, a juventude se aproxima mais da literatura, da memória e da história”, resumiu a secretária Estadual de Cultura, Arany Santana. “A Fligê já se consolidou, é uma das feiras mais importantes desse território e ela se firma aqui pela qualidade que ela oferece”, declarou.
A cada edição, a feira traz na sua concepção uma ação educativa que envolve as escolas públicas da cidade, mobiliza professores, diretores e alunos da rede de ensino com o objetivo de promover e incentivar a leitura, além de romper as barreiras e proporcionar o encontro das artes com a literatura. Música, cinema, artes plásticas, teatro, folclore e as tradições da cultura popular se conectam, criando espaços de diálogo e de formação para todas as idades.
“Nos sentimos honrados e felizes, porque também nos sentimos homenageados de uma certa forma pela Fligê, além de ter os escritores e a literatura tão aflorada em nossa cidade. É de uma alegria imensa ter nossos alunos envolvidos, é recompensador”, comemora a professora Maria Aparecida Novaes. “Esse evento é de uma importância muito grande para a população de Mucugê”, completa a colega Virgínia Oliveira.
Os estudantes de Mucugê se envolveram com a Fligê antes dela começar, por meio do projeto pedagógico da feira. O Elixir da história provocou os estudantes da rede pública e particular a produzirem vídeos, com seus aparelhos de celular, contando histórias da cidade e dos seus personagens, com o objetivo de resgatar a memória mucugeense e lançá-la no mundo através da internet. O resultado: 56 vídeos produzidos, contando as mais diversas histórias.
CONVIDADOS – Nomes como Chico César, Rita Benneditto, Ana de Hollanda, Elisa Lucinda, Chico Brown e Jean Wyllys integraram a programação. “Uma feira de livros no sertão da Bahia é algo fantástico, fico muito feliz em sentir a vibração da energia, da cultura, da arte, da literatura, da música aqui nesse lugar. Essa fogueira que a gente está acendendo aqui com a Fligê não vai se apagar”, declarou a cantora Rita Benneditto.
“Eu fico muito comovido e entusiasmado com um encontro de literatura no interior do Nordeste, que não busca os grandes êxitos comerciais da literatura, mas que busca aqueles lugares do questionamento, da discussão que a literatura traz”, disse o cantor e compositor Chico César, que apresentou o show Estado de Poesia.
Para o jornalista e escritor Jean Wyllys, a Fligê está de parabéns, pela coragem e pelo engajamento da feira. “Para o momento que vivenciamos no Brasil, é necessário resistência e a Fligê convoca e nos convocou a resistir, decidiu convocar a própria literatura a resistir como gênero, como expressão artística, a nos ajudar a resistir politicamente”, considerou.
LIVROS – Ao longo da Fligê, cinco editoras baianas apresentaram os seus catálogos e comerciaram as suas publicações. Entre elas a editora da Assembleia Legislativa da Bahia, que distribuiu mais de seis mil livros e lançou o primeiro do Selo Fligê, Composições entre sertões e chapadas, reunião de artigos escritos após a edição de 2017.
Participaram da terceira edição da Fligê quase 50 escritoras e escritores, foram lançados 40 livros e um público de mais de 10 mil pessoas prestigiou os eventos da programação, que se dividia em espaços dedicados às crianças, ao cinema, à poesia e também alcançou a vila de Igatu, distrito de Andaraí. Nos quatro dias, pessoas de 42 municípios baianos passaram por Mucugê, além de outros estados.
Na Fligêzinha, as crianças tiveram a oportunidade de encontrar e conversar com escritores como Lilia Gramacho e Maurício Meirelles, além de uma escritora também criança, Domenik Suelle. Com participação da escola conquistense de teatro CazAzul, o espaço teve brincadeiras, contação de histórias e espetáculo teatral. No espaço da sétima arte, a FligêCine colocou em cartaz o empoderamento feminino, até mesmo nos filmes infantis, dialogando com o tema da feira e trazendo à reflexão o papel da mulher na sociedade.
Em Igatu, a Galeria Arte & Memória foi palco para mais encontros. Conceição Evaristo, Jean Wyllys, Lívia Natália e Elisa Lucinda participaram de bate-papo com o público e levaram até a vila o protagonismo da mulher e a escrita negra. Duas instalações artísticas se relacionavam com a temática da Fligê e com a homenagem a Conceição, O silêncio das bombas e Qual a cor da sua labuta? Esta última, emocionou a escritora mineira, que recordou da sua infância, ao lado da mãe e dos irmãos.
“A Fligê tem contribuído para aquecer a economia, mas, sobretudo, a gente toma um banho de sabedoria porque podemos desfrutar de pessoas com alto nível intelectual, escritores renomados no Brasil inteiro e isso traz muita cultura e educação para o município”, ressaltou o prefeito da cidade, Cláudio Manuel Luz.
Com a palavra pulsando em Mucugê, desde 2016, os resultados começam a ser colhidos na cidade. “Minha filha de 9 anos, depois da primeira edição da Fligê, teve a vontade de escrever um livro, isso é fruto da feira, que além de nos enriquecer em conhecimento, nos dá a oportunidade do encontro, de conhecer várias pessoas, escritores, artistas”, conta a professora Joseni Rebouças.
No ato de encerramento, foi lido o manifesto que expressou o desejo de todos os participantes da terceira edição da Fligê: “Conceição Evaristo é uma escrita que rompe estereótipos e sua entrada na ABL é um gesto de reparação com a literatura pela qualidade da sua escrita. Neste manifesto, queremos reafirmar a importância de ter Conceição como a primeira escritora negra a ocupar uma cadeira na ABL”.
Confira a íntegra do manifesto no link: Fligê apoia Conceição Evaristo na ABL.
Texto: Ailton Fernandes | Fotos: Lari Carinhanha e Vinícius Brito