O cuidado de minha poesia
aprendi foi de mãe,
mulher de pôr reparo nas coisas,
e de assuntar a vida.
– Conceição Evaristo, trecho da poesia De mãe
Com toque, carinho e afeto, a leitura sensível e emocionada da escritora Lívia Natália, em homenagem a Conceição Evaristo, emocionou o público presente na última conferência da Fligê, Poesia: palavra de água, na noite deste domingo, 19.
Como ela mesma citou ao iniciar a noite, a obra de Conceição Evaristo a “maternou”, quando, na sua escrita, ela então se reconheceu enquanto mulher negra da periferia, criada e educada por mulheres da periferia.
“Eu fui vendo os poemas de Conceição e fui percebendo como, muito antes de conhecê-la, eu já era uma descendente de Conceição, no que diz respeito a estética que eu escrevo, que é muito menos Clarice e Cecília e muito mais Conceição, porque é muito mais próximo do falar da minha vó, do falar da minha madrinha, do falar de minha mãe”, disse ela.
Autora de Dia bonito para chover, Correntezas e outros estudos marinhos e Água negra, Lívia traduz, por meio de sua poesia, sua intimidade com as palavras, engendrando táticas que desafiam a opressão da vida e a condição de subalternidade. Ao falar sobre a doença da sua mãe, que está com Alzheimer e sobre a força da palavra, a conferencista arrancou lágrimas dos que ouviam suas histórias.
Devorar a mãe na ausência
nos fios de seus cabelos,
no perfume que colore o ar.
Devorar a carne da mãe sanando,
com mãos urgentes,
a fome de todos os tempos.
O desamparo de todos os filhos
– Lívia Natália, trecho da poesia Freudiana II
Baiana de Salvador, Lívia narrou um pouco da sua vida embalada por poemas de Conceição, dialogando com outros textos, de sua autoria, muitos deles inspirados por versos da escritora mineira. Consagrada como filha de santo, a escritora destacou a força da palavra água, como ancestralidade e essência de sua existência.
“A água tem comparecido nos meus textos, desde o meu livro de lançamento, quase que intuitivamente, aparecendo de maneira muito sistemática e muito forte. Eu sempre remeto ao fato de que eu sou uma pessoa de candomblé e tenho meu ori consagrado ao orixá das águas, que é Oxum”, explica. “Também tem a ver com a minha própria compreensão da minha escrita, que ao mesmo tempo é uma fluidez, que tem um peso, que não é óbvia, não é sempre a mesma coisa, que é extremamente íntima. Nessa minha escrita, a água é ao mesmo tempo delicadeza e força, a água pode ser inúmeras coisas ao mesmo tempo”, completa.
Encantada com a escritora e atenta à sua fala, a pequena Letícia Nascimento, de 7 anos, escreveu uma cartinha que foi entregue a Lívia ainda no palco do Centro Cultural. “Lívia Natália, eu gostei muito de conhecer você. Você é muito talentosa, bonita, engraçada e namoradeira. Com amor, Letícia”. Lágrimas e risos se repetiram na plateia. Assim, o público se despediu, entre o riso e o choro, da sala principal da Fligê 2018.
Ao final da conferência, a Fligê manifestou o seu apoio à eleição da escritora Conceição Evaristo na Academia Brasileira de Letras. Leia o manifesto e compartilhe, aderindo à campanha #ConceiçãoNaABL!
Texto: Ailton Fernandes e Débora Silveira | Fotos: Vinícius Brito