Cicatrizes amenizadas pelas palavras

Em Pixaim, uma menina relata sua tristeza em não ser aceita pela mãe, que não admite que a filha tenha cabelo crespo e a obriga a alisar os cabelos. A mãe tem dificuldades em aceitá-la, porque os outros filhos são mestiços e, para ela, poderiam se passar por brancos e serem aceitos na sociedade. “A gente só pode ser aquilo que é”, reflete a personagem em seu conto, concluindo que uma possível mágoa com relação à própria história não é barreira quando a aceitação vai além do espelho. 

Teatro, música, relatos e vivências fazem parte da obra Pixaim, da atriz, diretora de teatro e escritora Cristiane Sobral. O público da Fligê conferiu a apresentação na noite desta sexta-feira, 17. Pixaim é uma das várias obras da autora que retratam histórias da mulher negra e a sua visibilidade na literatura brasileira. 

Cristiane é uma das escritoras que integram a programação da Fligê, com obras que dialogam com a temática trazida pela terceira edição do evento, Literatura e resistência: a vida nos rastros da palavra, ressaltando o protagonismo feminino na literatura negra. “A gente percebe a riqueza da feira pra esse tipo de quantidade de escritoras negras que estão fazendo parte da Fligê, normalmente nas outras feiras nós somos uma, duas, que participam da feira como um todo e aqui a gente percebe a quantidade de escritoras negras que estão na programação do evento, que não é uma nota comum nos outros eventos. Acho que isso qualifica positivamente”, avalia. 

Alguns participantes já conheciam o trabalho de Cristiane e vieram ouvir as leituras de Pixaim. “Ela contou minha vida, quase. Eu sou mulher, sou negra, tenho pixaim e vivi muitas coisas do que ela contou e acho que às vezes a gente não quer falar sobre essas coisas porque acha que já foi muito dito, mas na verdade, quanto mais a gente fala, mais a gente acorda as nossas memórias e entende melhor o porquê de alguns processos que a gente vive”, conta Melissa Zonzon, produtora cultural, que veio do município de Palmeira, região do Capão, atraída pela temática da Fligê 2018. 

“Esse espetáculo é fascinante, emociona bastante a poesia de Cristiane Sobral, a apresentação que ela faz, porque pra mim ela é uma das escritoras mais relevantes dessa nova geração de escritoras negras, juntamente com Lívia Natália, com Rita Santana, Conceição Evaristo e tantas outras”, avalia a professora Cláudia Rocha. 

Cristiane ressalta em Pixaim e em todo o seu trabalho a importância da expansão da literatura negra, num contexto onde a literatura ainda é em sua maioria branca e que não incluiu o negro, o indígena, as classes menos favorecidas. E é na própria literatura que surge uma nova oportunidade.

“Foi necessário criar uma literatura onde a nossa representação é reivindicada de uma maneira diferenciada. Dizer que o escravizado também poderia existir como sujeito autônomo com direito de contar suas próprias histórias. Quando a gente fala de literatura negra, a gente tá falando que a literatura brasileira pode inclusive se tornar uma literatura mais rica a partir do momento que a gente puder apresentar esses outros lugares”, ressalta. 

Nesse sábado, 18, Cristiane apresenta a Rota da palavra VNão vou mais lavar os pratos, às 17 horas, no Centro Cultural.

Texto: Indhira Almeida | Fotos: Lari Carinhanha 


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